Nos Jogos Olímpicos, os resultados decidem-se na pista, mas a imagem dos atletas é definida, grande parte das vezes, por aquilo que eles conseguem valer na Zona Mista, aquele espaço por onde eles «desaparecem» quando as pessoas deixam de os ver no estádio ou na televisão, a caminho dos balneários.
A Mix Zone é uma espécie de local sagrado, onde os jornalistas podem falar com os atletas, geralmente interpelando-os em grupo, com uma profusão de braços estendidos a agarrar em gravadores e as perguntas a saírem em catadupa, ao gosto e interesse de cada um, sem um plano ou uma lógica concertada. Isto, durante cinco ou 10 minutos, perante atletas ainda ofegantes e, muitas vezes, com vontade de se «enfiarem num buraco». É proibido tirar fotografias ou captar imagens.
Nestas circunstâncias, percebe-se como a Mix Zone se transforma, facilmente, num local de festa e excitação quando se vai falar com o vencedor, e num local de muita tensão quando o atleta acabou de perder. Com uma agravante particular: quando se ganha, a maior parte do que é dito e escrito refere-se à forma como a prova decorreu; quando se perde pouco mais resta para contar do que as declarações do perdedor. E é aí que se joga a imagem de um atleta, até porque são raros os que, em Portugal, recebem conselhos profissionais sobre o que devem ou não dizer.
Francis Obikwelu, no entanto, sempre foi um caso especial nas zonas mistas. Tanto na vitória como na derrota.
Esta noite, voltou a prová-lo em Pequim, exactamente da mesma forma como quando teve o seu maior momento de glória, ao ganhar a prata, em Atenas, há quatro anos: falando sempre com o coração, nada mais do que o coração. E em várias línguas, com uma disponibilidade e simpatia sem paralelo entre atletas deste nível: parando para falar com os jornalistas da Nigéria, onde nasceu, de Espanha, onde vive, e de Portugal, cuja bandeira representa.
De Francis Obikwelu nunca ouvi um queixume ou uma desculpa esfarrapada. Quando triunfava, continuava sempre a manter um nobre respeito sobre todos os adversários. Quando perdia - como sucedeu esta noite - assumia as culpas, por inteiro.
Hoje, perante os jornalistas portugueses, repetiu insistentemente o seu pedido de desculpas ao povo português.
«O povo andou a pagar, com o dinheiro dos seus impostos, para eu estar aqui. E não consegui chegar à final. Falhei. Peço desculpa», disse, várias vezes, com uma ou outra variação. Mas percebia-se que não era uma «jogada de marketing». Todos sentimos que aquilo lhe vinha mesmo do coração. Exactamente como quando lhe perguntei qual era o momento que ele recordava como o de maior felicidade em toda a sua carreira. Confesso que esperava que ele falasse na medalha de Atenas. Mas não. Mais uma vez foi desconcertantemente sincero: «O melhor momento, aquele que jamais esquecerei, foi quando vi todos os portugueses a receberem-me de braços abertos, após a medalha. Aqueles gritos de 'Francis', 'Francis' vou guardá-los para sempre no meu coração. Valeram mais do que a medalha»
As emoções da zona mista são mesmo assim: já estou com saudades deste inimitável e inesquecível Francis Obikwelu.
sábado, 16 de agosto de 2008
Zona mista: O inimitável e inesquecível Francis Obikwelu
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